O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou a uma agente que fez uso de "ferro quente", um ferro de solda, para tentar abrir sua tornozeleira eletrônica. A declaração está registrada em vídeo e em um relatório da Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal.
A tentativa de violação foi um dos pontos citados pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), ao determinar a prisão preventiva do ex-presidente.
Na tarde deste sábado (22), Moraes determinou que a defesa de Bolsonaro esclareça o motivo de ele ter tentado avariar a tornozeleira eletrônica."O equipamento possuía sinais claros e importantes de avaria. Havia marcas de queimadura em toda sua circunferência, no local de encaixe/fechamento do case. No momento da análise o monitorado foi questionado acerca do instrumento utilizado", diz o documento da Seape, assinado por Rita Gaio, diretora adjunta do Centro Integrado de Monitoração Eletrônica.
De acordo com o documento, a informação inicial era de que Bolsonaro havia batido o dispositivo na escada.
Mas, após a entrada da servidora da secretaria no local, "a tornozeleira não apresentava sinais de choque em escada".
Em vídeo, a servidora da administração penitenciárias do DF pergunta a Bolsonaro que hora ele teria começado a tentar violar a tornozeleira. O ex-presidente respondeu que isso teria acontecido no final da tarde.
Ao ser questionado sobre o que havia ocorrido, Bolsonaro afirmou: Usei ferro quente, ferro quente aí… curiosidade". Ao ser questionado: "Que ferro foi? Ferro de passar?" ele respondeu: "Ferro de soldar, solda".
Ferro de solda é uma ferramenta pontiaguda que atinge alta temperatura e permite derreter metais. Está disponível para venda na internet.
O relatório da Seape diz que o alerta de violação da tornozeleira aconteceu à 0h07 deste sábado, e que imediatamente a equipe do órgão foi ao local.
"Os policiais penais realizaram contato imediato com o réu solicitando que se apresentasse para verificação do equipamento. Paralelamente, a diretora adjunta do Cime se deslocou até o local para análise presencial da situação", diz o texto.
A partir desse relatório, Moraes disse que houve confissão do próprio Bolsonaro sobre a violação do
equipamento, e determinou que a defesa de manifeste em 24 horas sobre o tema.
A PF prendeu Bolsonaro de forma preventiva na manhã deste sábado na reta final do processo da trama golpista.
Diálogo de Bolsonaro com agente durante vistoria da tornozeleira eletrônica
- Agente: Equipamento 85916-5. O senhor usou alguma coisa para queimar isso aqui?
- Bolsonaro: Usei ferro quente, ferro quente aí…
- Agente: Ferro quente?
- Bolsonaro: Curiosidade
- Agente: Que ferro foi? Ferro de passar?
- Bolsonaro: Não. Ferro de soldar solda
- Agente: Ferro de solda? Aquele que tem uma ponta?
- Bolsonaro: Sim
- Agente: Está certo. O senhor tentou puxar a pulseira também?
- Bolsonaro: Não, não, não. A pulseira, não
- Agente: Não?
- Bolsonaro: Não rompeu a pulseira, não
- Agente: Tá. Pulseira aparentemente intacta, mas o case violado
- Agente: Que horas que o senhor começou a fazer isso, seu Jair
- Bolsonaro: Final da tarde
- Agente: Final da tarde? Tá certo. Essa tampa chegou a soltar ou não?
- Bolsonaro: Não, não soltou, não
O ex-presidente estava em regime domiciliar desde 4 de agosto e foi levado pela PF após a decretação da prisão pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do processo no STF, sob justificativa de garantia da ordem pública.
Paulo Gonet, procurador-geral da República, também se manifestou a favor da prisão, "diante da urgência e gravidade dos novos fatos apresentados".
Moraes, ao determinar a prisão, citou a violação da tornozeleira eletrônica de Bolsonaro no início da madrugada, o risco de fuga dele para a embaixada dos EUA e uma vigília convocada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do ex-presidente.
Em nota, os advogados de Bolsonaro afirmam que a prisão foi baseada na realização de uma "vigília de orações", garantida pela Constituição, e que a determinação de Moraes causou "profunda perplexidade". Os advogados Celso Vilardi e Paulo Bueno afirmam ainda que irão "apresentar os recursos cabíveis".
A PF chegou à casa de Bolsonaro por volta das 6h, em comboio com ao menos cinco carros. O ex-presidente foi levado cerca de 20 minutos depois para a Superintendência da PF, onde ficará preso, em um espaço com cama, banheiro privativo e uma mesa.
Antes da prisão deste sábado, havia expectativa sobre o local onde Bolsonaro seria recolhido para o início do cumprimento da pena de 27 anos e 3 meses de prisão após ser condenado pelo STF por liderar a trama golpista.
Os locais avaliados pela equipe de Moraes incluíam o Complexo Penitenciário da Papuda e uma unidade da Polícia Militar do Distrito Federal, conhecida como "Papudinha" e localizada na mesma região do presídio, além da prisão domiciliar.
A ida de Bolsonaro para a superintendência da PF, porém, pode alterar essa situação, e a carceragem da corporação ser o local para início da execução penal.
Isso porque a ação penal da trama golpista está em contagem de prazo para os últimos recursos das defesas e, a partir da segunda (24), há a possibilidade de a tramitação processual ser encerrada por Moraes, quando é cabível mais recorrer (tecnicamente, o trânsito em julgado).
A sala na sede regional da PF em Brasília é reservada a autoridades e outras figuras públicas, caso do presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, preso no ano passado por posse ilegal de arma de fogo durante operação da PF sobre a trama golpista.
Políticos de peso envolvidos em escândalo no passado —entre outros, o senador Delcídio do Amaral (MS), o governador do Distrito Federal José Roberto Arruda e o então juiz João Carlos Rocha Mattos— já foram abrigados na superintendência.
Neste sábado, com Bolsonaro já preso na Polícia Federal, Moraes descartou aceitar um pedido da defesa do ex-presidente de prisão domiciliar.
Enviado ao tribunal na sexta (21), esse pedido era relacionado à execução da pena da trama golpista sob a alegação de que Bolsonaro não teria condições de saúde para ser enviado a um presídio.
O ministro também rejeitou pedidos de visitas a Bolsonaro que tinham sido feitos nos últimos dias.
Moraes argumentou que, como os pedidos foram feitos antes da prisão preventiva, eles foram "prejudicados". Ou seja, perdem a validade sem análise do mérito. Novos pedidos podem ser feitos posteriormente.